Caso Moïse: Justiça do RJ julga 2 acusados da morte de congolês no Rio; ‘A condenação será uma resposta do Brasil para a família’, diz irmão
13/03/2025
(Foto: Reprodução) A expectativa da família é que Fábio Pirineus da Silva e de Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca sejam condenados no júri popular que acontecerá na 1ª Vara Criminal da Capital. Começa o júri popular dos acusados da morte de Moïse
A Justiça do RJ começou a julgar, no fim da manhã desta quinta-feira (13), 2 dos 3 réus pela morte do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, em 2022. Ele foi espancado até a morte, no Posto 8, da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, em 2022, quando cobrava uma dívida trabalhista.
Fábio Pirineus da Silva e Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca se sentaram no banco dos réus na 1ª Vara Criminal da Capital. A previsão é que a sentença saia até a madrugada desta sexta (14), e a expectativa dos parentes é pela condenação. “Será uma resposta do Brasil para a família”, afirmou ao g1 Maurice Mugeny, irmão do rapaz.
O terceiro acusado, Brendon Alexander Luz da Silva, não será julgado nesta sessão. A defesa do réu recorreu da sentença de pronúncia, e o seu nome foi desmembrado do processo originário. O pedido da defesa está em tramitação no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os réus estão presos desde 2022.
O trio responde por homicídio triplamente qualificado. No entendimento do Ministério Público do RJ, as circunstâncias do crime caracterizaram motivo fútil, impossibilidade de defesa da vítima e uso de meio cruel — tendo Moïse sendo agredido “como se fosse um animal peçonhento”, como escreveu o promotor Alexandre Murilo Graça, autor da denúncia.
“Eu só espero que seja feita uma justiça de verdade. [Porque] A gente atravessou o oceano para fugir da guerra [na República Democrática do Congo], e a encontramos aqui no Brasil. Ele nos pegou aqui no Brasil, onde buscávamos uma nova vida”, disse Lotsove Lolo Lavy Ivone, de 46 anos, mãe do congolês, que à época morreu com 24 anos.
Réus pela morte de Moïse (da esquerda para a direita) Fábio, Brendon e Aleson
Reprodução
A sessão
O julgamento começou com o sorteio dos jurados. Na sequência, o depoimento de testemunhas — 19 eram esperadas. O 1º a ser ouvido foi Jailton Pereira, o Baixinho, apontado como gerente do quiosque onde Moïse trabalhava. A defesa dos réus alega que os ataques contra Moise foram para defender Baixinho.
Ainda está previsto o interrogatório dos réus. Em seguida, o MPRJ tem um tempo de fala, assim como a assistência de acusação e a defesa dos réus. Há possibilidade de réplica e tréplica.
Após essa fase, os jurados se reúnem em uma sala secreta para deliberar sobre a condenação ou absolvição dos réus. A decisão é tomada por maioria simples.
O caso
Moïse foi morto onde trabalhava como atendente. O rapaz foi espancado por mais de 10 minutos — com golpes de mata leão, socos, chutes e madeiradas — e chegou a ter as mãos e pés amarrados por um pedaço de fio. O rapaz estava no Brasil desde 2011, quando fugiu de conflitos armados na República Democrática do Congo.
De acordo com a investigação da Polícia Civil, as agressões começaram após uma discussão entre Moïse e um homem identificado como Jailton Pereira Campos, o Baixinho.
“Depois da morte dele, a minha vida mudou. Você não espera que um filho vá antes da mãe. Na vida, a mãe vai antes do filho. [E] Ele [nos] deixou de uma forma brutal. A minha vida não funciona mais como antes. Hoje, por exemplo, eu acordei e parecia que o meu coração estava afogado, algo estranho”, conta a comerciante.
O que dizem os réus
Segundo a advogada Flávia Froes, que defende Aleson Cristiano, “tentaram transformar um crime de miséria social em crime racial”.
“Os autores são de pele escura. Os acusados agiram em legítima defesa. O Moïse estava na praia há 3 dias e estava arrumando confusão com todo mundo. Quando ele diz que ia matar o Baixinho, os acusados foram impedir. Quem causou a sua morte foi o próprio Moïse”.
Por sua vez, a advogada Hortência Menezes, que faz a defesa de Fábio Pirineus, afirmou que o cliente "nunca teve a intenção de matar Moïse, mas agiu para proteger um idoso indefeso, ameaçado por horas".
Hortência sustenta ainda que "a morte de Moïse não teve qualquer motivação racial, xenofóbica ou trabalhista. A defesa reforça seu compromisso em trazer à tona a verdade dos fatos e garantir um julgamento justo".
O g1 não conseguiu localizar a defesa Brendon Alexander.
'Agredido por ser negro, pobre e africano', diz defensora pública
A defensora pública Gislaine Kepe, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, afirma que “causou surpresa a tese da defesa”, “porque na filmagem vê toda a brutalidade que aconteceu, a desumanização e a mentira — que é quando dizem que Moïse não tinha relação trabalhista com o quiosque”.
“Tudo começou quando o Moïse foi pedir que lhe fosse pago os dias trabalhados. Na minha visão, essa tesa da defesa não vai se sustentar no Tribunal do Júri. Ele não teve direito a defesa. Três pessoas se juntaram para atacá-lo com taco de baseball. O Moïse foi amarrado como se não fosse uma pessoa humana”, disse Gislaine.
“Já a partir dos vídeos e dos depoimentos das testemunhas, o que se vê é a pouca importância do que foi a morte do Moïse. Eu acredito que essa pouca importância foi porque quem estava sendo agredido era um negro, um pobre e um africano. E por isso não causou comoção nas pessoas que estavam ao redor.”
De acordo com Gislaine, se condenados, Fábio Pirineus e Aleson Cristiano podem pegar de 12 a 20 anos de prisão.
Preconceito que acontece com frequência
Gislaine Kepe também faz parte do Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial (Nucora). Segundo a defensora, é comum estrangeiros procurarem a Defensoria Pública relatando casos de racismo e xenofobia no RJ.
“Isso acontece diariamente. Se eu atendo 12 imigrantes, 10 são negros e vieram da África. E a questão do racismo e da xenofobia é constante. São casos de não respeitarem direitos básicos, como crianças impedidas de entrar nas escolas por falta de documentação — e a gente tem que oficiar a escola — e até mesmo o contrato de aluguel com cláusulas abusivas. Fora o racismo, do olhar inquisidor do racista.”